José Mourinho não se esquece!


José Mourinho enviou uma carta à Selecção Nacional onde pede empenho aos jogadores e apoio por parte de todos os portugueses! Penso que faz todo o sentido citá-la aqui, pois não são todos os dias que podem ser lidas palavras tão sábias e sentidas por parte do melhor treinador do Mundo. Então aqui vai:

Sou português há 47 anos e treinador de futebol há dez. Sendo assim, sou mais português do que treinador. Posto isto, para que não restassem dúvidas, vamos ao que importa...

As Selecções Nacionais não são espaços de afirmação pessoal, mas sim de afirmação de um País e, por isso, devem ser um espaço de profunda emoção colectiva, de empatia, de união. Aqui, nas selecções, os jogadores não são apenas profissionais de futebol, os jogadores são além disso portugueses comuns que, por jogarem melhor que os portugueses empregados bancários, taxistas, políticos, professores, pescadores ou agricultores, foram escolhidos para lutarem por Portugal. E quando estes eleitos a quem Deus deu um talento se juntam para jogar por Portugal, devem faze-lo a pensar naquilo que são - não simplesmente profissionais de futebol (esses são os que jogam nos clubes), mas, além disso, portugueses comuns que vão fazer aquilo que outros não podem fazer, isto é, defender Portugal, a sua auto estima, a sua alegria. Obviamente há coisas na sociedade portuguesa incomparavelmente muito mais importantes que o futebol, que uma vitória ou uma derrota, que uma qualificação ou não para um Europeu ou um Mundial. Mas os portugueses que vão jogar por Portugal - repito, não gosto de lhes chamar jogadores - têm de saber para onde vão, ao que vão, porque vão e o que se espera deles.

Por isso, quando a Federação Portuguesa de Futebol me contactou para ser treinador nacional, aquilo que senti em minha casa foi orgulho; do que me lembrei foi das centenas e centenas de pessoas que, no período de férias, me abordam para me dizerem quanto desejam que eu assuma este cargo. Isto levou-me, pela primeira vez na minha vida profissional, a decidir de uma forma emocional e não racional, abandonando, ainda que temporariamente, um projecto de carreira que me levou até onde me levou. Desculpem a linguagem, mas a verdade é que pensei: Que se lixem as consequências negativas e as críticas se não ganhar; que se lixe o facto de não ter tempo para treinar e implementar o futebol que me tem levado ao sucesso; por Portugal, eu vou! E é isto que eu quero dizer aos eleitos para jogar por Portugal: aí, não se passeia prestigio; aí, não se vai para levar ou retirar dividendos; aí, quem vai, vai para dar; aí, há que ir de alma e coração; aí, não há individualidades nem individualismos; aí, há portugueses que ou vencem ou perdem, mas de pé; aí, não há azias por jogar ou por ir para o banco; aí, só há espaço para se sentir orgulho e se ter atitude positiva.

Por um par de dias senti-me e pensei como treinador de Portugal. E gostei. Mas tenho que reconhecer que o Real Madrid é uma instituição gigante, que me «comprou» ao Inter, que me paga, e que não pode correr riscos perante os seus sócios e adeptos. Permitir que o seu treinador, ainda que por uns dias, saísse do seu habitat de trabalho e dividisse a sua concentração e as suas capacidades era impensável. Creio, por conseguinte, que o feedback que saiu de Madrid e chegou à Federação levou a que se anulasse a reunião e não se formalizasse o pedido da minha colaboração. Para tristeza minha e frustração do presidente Gilberto Madail. Mas, sublinho, agora já a frio: foi e é uma decisão fácil de entender. Estou ao leme de uma nau gigantesca, que não se pode nem se deve abandonar por um minuto. O Real decidiu bem. Fiquei com o travo amargo de não ter podido ajudar a Selecção, mas fico com a tranquilidade óbvia de quem percebe que tem nas suas mãos um dos trabalhos mais prestigiados no mundo do futebol. Agora, Portugal tem um treinador e ele deve ser olhado por todos como «o nosso treinador» e «o melhor» até ao dia em que deixar de ser «o nosso treinador». Esta parece-me uma máxima exemplar: o meu é o melhor! Pois bem, se o nosso é Paulo Bento, Paulo Bento é o melhor.

Como português, do Paulo espero independência, capacidade de decisão, organização, modelagem das estruturas de apoio, mobilização forte, fonte de motivação e, naturalmente, coerência na construção de um modelo de equipa adaptada as características dos portugueses que estão à sua disposição. Sinceramente, acho que o Paulo tem condições para desenvolver tudo isso e para tal terá sempre o meu apoio. Se ele ganhar, eu, português, ganho; se ele perder, eu, português, perderei. Mas eu também quero ganhar. No último encontro de treinadores que disputam a Champions League, quando questionado sobre o poder dos treinadores nos clubes, ou a perda de poder dos treinadores face ao novo mundo do futebol, sir Alex Fergusson disse (e não havia ninguém com mais autoridade do que ele para o dizer!) que o poder e a liderança dos treinadores depende da personalidade dos mesmos, mas que depende muitíssimo das estruturas que os rodeiam. Clubes e dirigentes fragilizam ou solidificam treinadores. Eu transponho estas sábias palavras para a selecção nacional: todos, mas todos, neste país devem fazer do treinador da selecção um homem forte e protegido. E quando digo todos, refiro-me a dirigentes associativos, federativos e de clubes, passando pelos jogadores convocados e pelos não convocados, continuando pelos que trabalham na comunicação social e terminando nos taxistas, políticos, pescadores, policias, metalúrgicos, etc. Todos temos de estar unidos e ganhar. E se perdermos, que seja de pé! Mas, repito, há coisas incomparavelmente mais importantes neste país que o futebol. Incomparavelmente mais importantes¿ Infelizmente! Aproveito esta oportunidade para desejar a todos os treinadores portugueses, aos que estão em Portugal e aos muitos que já trabalham em tantos países de diferentes continentes, uma época com poucas tristezas e muitas alegrias.

Ao Xico Silveira Ramos, manifesto-lhe a minha confiança no seu cargo de Presidente da ANTF.

Um abraço a todos,

José Mourinho

7 comentários:

Pudget disse...

A ser verdade é um documento histórico de verdadeiro patriotismo, saber e razão.

Esta é sima melhor forma de comemorar os 100 anos da República.

rs disse...

Viva ao josé mourinho,é apaixonante a sua forma de ser

Estiveste muito bem em mais uma referência ao grande senhor

um abraço

Anónimo disse...

Please don’t call me arrogant, but I’m European champion and I think I’m a special one.

Cabrao e irritante para uns, inteligente e carismático para outros

CátiaMonteiro disse...

diz-me que foste para jornalismo!!!

Tiago Nogueira disse...

Olá,

Concordo plenamente caro anónimo e é esse mesmo dilema que faz de José Mourinho um treinador tão especial!

Um grande abraço para todos

Pudget disse...

Entrevista exclusiva com Filipe Vieira de Sá do Jogo Directo, esta 6ª Feira no blog

www.contingentetuga.blogspot.com

Não deixem de nos visitar para lerem as palavras do Filipe numa entrevista que nos dá a conhecer um pouco da pessoa por trás do melhor blog português de futebol.

Bimbosfera disse...

Grande, grande, grande texto!
Só acho que deverias mencionar a fonte, não sei se é pública ou não, mas sendo, devias fazê-lo, e devo dizer que me dá particular prazer ler essa atitude dele para com a Selecção, e, sabe-se lá, terá ajudado ou não a fazer dela o que se está a passar. Ele não fez isso pelo Queirós, ainda que situação diferente, e foi seu professor, e agora nota-se o que vale a Selecção. Algo que pelo menos já dá prazer de voltar a ver!

Abraço

Márcio Guerra, aliás, Bimbosfera

Bimbosfera.blogspot.com